- Década de 50
- RTP: nascimento e primeiros passos
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Dias depois (16 de Janeiro) decorria no gabinete do Ministro da Presidência, no palácio de S. Bento, o acto de outorga da concessão do serviço público de Televisão à RTP.5 O dr. Diogo Faria Leite Brandão, secretário da Presidência do Conselho, encarregou-se da condução da cerimónia, à qual também esteve presente o dr. José Saraiva de Albuquerque, na sua qualidade de procurador-geral da República. Como testemunhas figuraram dois funcionários da secretaria da Presidência, José Ferreira Mendes e Carlos Baptista Pacheco. Pela recém-constituída empresa, compareceram o presidente, engº Camilo de Mendonça, e os administradores major Jorge Botelho Moniz e dr. Stichini Vilela. Estes três elementos do Conselho de Administração da RTP assinaram o respectivo contrato, logo após o ter feito, por parte do Estado, o prof. dr. Marcello Caetano, Ministro da Presidência e interino das Comunicações,6 que dirigiu, então, algumas palavras de saudação aos dirigentes da sociedade, lembrando-lhes o interesse que o Governo dedicava ao empreendimento. “A Televisão – afirmou – é um instrumento de acção, benéfico ou maléfico, consoante o critério que presidir à sua utilização. O Governo espera que os dirigentes do novo serviço público saibam fazer desse instrumento um meio de elevação moral e cultural do povo português.”
Respondeu o engº Camilo de Mendonça para agradecer as palavras do Ministro e assegurar-lhe ser propósito da nova empresa cumprir os seus deveres para com o País e o público, assim correspondendo ao interesse do Governo pela efectivação do serviço.
A nomeação de Camilo de Mendonça para o mais alto cargo da RTP fora encarada com naturalidade, apesar de se pensar que a escolha poderia muito bem ter recaído em alguém mais próximo de áreas da comunicação ou, até, das novas tecnologias, que vinham de ter tão bom desempenho nos trabalhos preparatórios do lançamento da nossa Televisão. Afinal saiu um engenheiro, mas agrónomo, amigo de Marcello Caetano, homem de confiança política experimentada em acções da União Nacional e do Governo, como Secretário de Estado da Agricultura. Do acerto da escolha desse transmontano de 33 anos se falaria meses mais tarde, quando a RTP passou dos primeiros passos para um caminhar quase seguro, apontado aos objectivos que lhe foram propostos – isto apesar da exaustação dos recursos financeiros, uma vez que o capital estatutário cedo entrou no vermelho, com os compromissos que se assumiram com instalações, equipamentos e recursos humanos. Quer dizer: a empresa começava, já então, a conformar-se com dependências da banca e do Estado. Dirigente demasiado discreto – encarado como defeito, esse era o seu – Camilo de Mendonça soube liderar, ainda assim, uma equipa que consolidou a fase do arranque. Marcello Caetano não esperava outra coisa, ele que, mais do que ninguém, se empenhara para que a Televisão fosse uma realidade no País.
Sabe-se – e as fontes são seguras – que essa não foi uma tarefa fácil, principalmente quando houve que vencer a oposição do prof. dr. Oliveira Salazar, constante em próprias recomendações de moderação ou – podemos ainda pensar – sob influência de outras com igual cariz de prudência, mas já ditadas por comprometimentos interesseiros. Mas que o Ministro da Presidência saiu vencedor desse confronto não sobram dúvidas, isto depois das conservadoras ideias de Salazar terem sido postas em causa pela inevitabilidade, não só da situação de progresso inerente à sociedade de consumo, como, sobretudo, pela urgência em se dispor de um meio de comunicação que iria tornar tudo diferente e servir os desígnios do Poder. Salazar tardava a perceber que era assim que deveria ser. Há mesmo quem assegure que só depois de uma conversa com Franco (que o teria alertado para a necessidade de não se perder mais tempo, em ambos os países), ele se tornou mais sensível aos argumentos de Marcello Caetano para quem a TV, na realidade, sempre se perspectivou como instrumento de importância vital. A ponto de ter, ele mesmo, supervisionado a elaboração dos estatutos da sociedade RTP - Radiotelevisão Portuguesa, SARL.
5 A celebração do contrato foi precedida de minuta aprovada em Conselho de Ministros, 10.1.1956. Publicado no Diário do Governo, nº 21 - III série, 25.1.1956.
6 O titular da pasta das Comunicações, brigadeiro Manuel Gomes de Araújo, estava temporariamente impedido de exercer o cargo por razões de progressão na carreira militar.