- Década de 50
- A visita da rainha
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Embora a Televisão seja, por si, um trabalho de situações inesperadas, de necessidades urgentes, de extrema aplicação para se atingirem objectivos – mesmo quando, como era o caso, apenas se ensaiavam processos de a fazer e se aguardava o material de que também muito se precisava para isso – a visita da Rainha Isabel II de Inglaterra (4 dias de permanência no nosso país) iria constituir a verdadeira “prova de fogo” para uma estação de TV que apenas começava – melhor, e para não fugir à realidade, que ainda não começara. Foi, com efeito, um acontecimento que teve – e mantém, ainda hoje – um significado muito especial na vida da RTP. Por tudo e também porque há quem nele veja, com muita lógica, uma aceleração do processo que levaria ao início das emissões regulares. E isto por mérito do entusiasmo e da dedicada disponibilidade de quantos já então trabalhavam na RTP, mas também, e seguramente, porque os espectadores já eram aquela “força de pressão” que se conhece. Um tema com tamanha actualidade como era o da visita da Rainha, rodeado, ainda por cima, de um tal interesse popular que, visto à distância dos anos todos que passaram, tem o seu quê de “conto de fadas” – um evento de envergadura pedia mesmo o que foi feito.
A RTP teve, então, a oportunidade de oferecer, a um já relativamente elevado número de espectadores, a cobertura integral da visita, fazendo-a com todos os meios ao seu alcance e outros que, para o efeito, mobilizou, num esforço de reportagem até à altura sem paralelo na história da Informação no nosso país. Os vários passos da soberana britânica foram rigorosamente documentados pelas equipas de repórteres cinematográficos ao serviço da RTP e chegaram, escassas horas depois de terem ocorrido, a uma audiência que, estimativas de ocasião, calcularam ser pouco inferior a um milhão de pessoas, atendendo à invulgar frequência registada nos locais públicos onde estavam instalados receptores, nas áreas de Lisboa, Setúbal e Santarém.
A visita de Isabel II mereceu na RTP as honras de um jornal diário, que lhe era integralmente dedicado, e que, incluindo as reportagens do dia, não deixava de documentar o programa do dia seguinte, pela mostra dos locais a visitar, pela descrição dos acontecimentos próximos, pelos preparativos que estavam a decorrer. Por outro lado, toda a programação foi estruturada na base do importante acontecimento. Diariamente, a partir de 14 de Fevereiro, estiveram no estúdio da RTP individualidades de relevo na nossa vida cultural, que abordaram temas de interesse anglo-português: prof. Reynaldo dos Santos, dr. Rui Ulrich, prof. Adolfo Cabral, dr. João de Freitas Branco e dr. Santiago Kastner; exibiram-se documentários sobre a família real; e a própria RTP produziu um programa que, evocando aspectos das relações entre Portugal e o Reino Unido (à base de montagens fotográficas de gravuras, manuscritos e filmes), constituiu curiosa retrospectiva, que se iniciava com o estabelecimento da Aliança, prosseguia com a visita de Eduardo VII a Portugal e terminava com a estadia em Londres do Presidente da República, general Craveiro Lopes.
Em Fevereiro de 1957 a RTP enfrentava, pois, a sua primeira grande realização no domínio da reportagem. A ordem de mobilização ditada pela importância do acontecimento – na altura em que não era ainda possível dispor de unidades móveis capazes de proporcionar transmissões imediatas1 – teve assim incidência principal no sector de produção de reportagens filmadas, cuja estrutura teve de ser reforçada em homens e máquinas, com vista a satisfazer as exigências do trabalho. Insuficiências e defeitos, é evidente que existiram e eles foram reconhecidos mais pelos responsáveis do que pelos espectadores e pelos críticos. Seria, porém, legítimo julgar com demasiado rigor um serviço que mais não era do que uma ampla experimentação? Que representava, afinal, o ensaio concreto de uma nova técnica posta ao serviço do público, numa altura em que talvez fosse de não aconselhar o cometimento? Estas, como muitas outras interrogações, puseram-nas os responsáveis a si próprios – e em colectivo – antes da decisão final. Tomou-se o peso ao acontecimento. Não podia ser ignorado. Não se compadeceria com uns minutos de imagem. Era efectivamente necessário uma grande reportagem. E foi.
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