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  • Década de 50
  • As Primeiras Imagens
  • pag1

4 de Setembro de 1956.
Meia hora depois das 21 horas.
Uma câmara assesta uma das suas objectivas sobre um locutor. Foca-o. E logo após ser retirada a mira técnica, a central técnica “mete-o no ar”. Imagem ao vivo pela primeira vez. Raúl Feio1 apresentou o programa da noite. Nervos – estaria alguém no estúdio que os não sentisse à flor da pele?! – apenas de início se terão dado a conhecer, porque, entretanto, já o locutor “segurara” o público com a teia da sua conversa. Falava da satisfação que sentia em apresentar o primeiro programa de TV, “uma das maiores revelações do nosso tempo”. Evocou a lenda de Ali-Bábá, para declarar que ali, como na caverna, o “abre-te, sésamo!” correspondia a um desfile de maravilhas perante os olhos inquietos e deslumbrados do espectador. Confessou a felicidade que todos sentiam em proporcionar ao lisboeta “o maior espectáculo do Mundo” e como estavam desejosos de o poder fazer em breve a todos os portugueses. Terminou apresentando monsenhor Lopes da Cruz, presidente da Assembleia Geral da RTP e director da sua accionista, a Rádio Renascença, que proferiu uma declaração – espécie de “artigo de fundo” da primeira página que se estava a abrir para o público-espectador. Palavras finais: “Como portugueses, felicitamo-nos mutuamente pelo grande acontecimento deste dia: a inauguração de sessões regulares, embora experimentais, de Televisão em Lisboa. Outras nações começaram mais cedo. É porém incontestável que estamos a andar mais depressa e melhor do que muitas delas. Demo-nos parabéns uns aos outros e cooperemos todos para que o difícil empreendimento seja coroado de pleno êxito. Trata-se da Televisão Portuguesa, isto é, para Portugal e digna de Portugal – digna da nossa história, do nosso patriotismo, das nossas tradições e das nossas crenças, instrumento e alavanca da elevação cultural, artística e espiritual da boa gente lusitana.”

Raúl Feio voltou perante a câmara para uma breve resenha sobre o futuro da RTP. “Em 1957, após um novo período experimental, entrará a nossa TV em funcionamento definitivo, através dos 5 emissores que estão a ser construídos, e, em breve, devidamente equipados” – disse. Sobre um mapa do País indicou a localização dos emissores a que se referira.

O primeiro “sorriso” RTP surgiu logo a seguir. Pertencia a Maria Armanda Falcão,2 que relembrou as rubricas que ainda faltava ver até ao final da emissão e logo introduziu um curto documentário filmado sobre ourivesaria portuguesa.

Em “Revista Desportiva”, a rubrica que se seguiu no alinhamento da emissão, o “mestre-de-cerimónias” foi Domingos Lança Moreira. Começou por entrevistar Alves Barbosa, recente vencedor da Volta a Portugal em Bicicleta, cujas fases finais foram lembradas através de imagens recolhidas em filme. E já que ali estava, Barbosa prestou-se a uma demonstração prática: pedalou vigorosamente, como só ele sabia, numa máquina montada sobre rolos. Outra demonstração desportiva veio a seguir: a equipa de campeões de ténis de mesa do Benfica (Francisco Campas, Manuel Carvalho, Luís Reynolds Jr. e Humberto Gaspar) bateram algumas bolas, ali mesmo no estúdio. Lança Moreira comentou, entrevistou e encerrou, assim, o primeiro programa desportivo da RTP.

Após outro documentário filmado, este dedicado à cidade de Lisboa (realizado por Fernando Garcia), surgiu no ecrã a rubrica “Música e Artistas”, preenchida com um concerto pelo duo Leonor de Sousa Prado (violino) - Nella Maissa (piano).

Em “Revista Mundial” (título do primeiro serviço de notícias e actualidades da RTP) incluiu-se um documentário francês, cujos 7 temas se recordam: lançamento à água de um submarino; peregrinação a Lourdes; aspectos da guerra na Argélia; festa das redes na Bretanha; funeral do cardeal católico inglês; inundações na Áustria; e viagem de Madrid a Monza num automóvel de 1906. Como complemento, foi exibida a primeira actualidade produzida pela RTP: reportagem da visita dos representantes dos jornais e rádios às instalações de TV na Feira, acontecimento da manhã desse dia e que atrás se referiu.

A última rubrica do programa inaugural esteve a cargo do jornalista Barradas de Oliveira, que, no “Comentário do Dia”, fez um balanço dos principais acontecimentos nacionais e estrangeiros.

Por fim, Raúl Feio voltou à câmara para anunciar o encerramento da emissão. O telecinema se encarregaria do que restava até não haver mais luz sobre os ecrãs. O Henrique Formosinho Sanches desligou a sua câmara RCA. O José Joaquim Gomes já fizera outro tanto à sua Fernseh, não sem antes a ter mimoseado com uma pancadinha de amor – é que ela, como a companheira do lado, cumpriram bem o seu trabalho, nessa primeira noite de Televisão. Alguém foi ao quadro e apagou os focos do espectáculo. Talvez tenha sido o Aquilino Mendes, um homem do cinema que estava ali a ver se eram ou não diferentes os ambientes das duas técnicas. Mas também pode ter sido um dos cinco ou seis ajudantes que por ali andaram durante a emissão toda, em correrias controladas, estando em tudo a pedido de todos, com boa cara, felizes por viverem, também eles, a grande noite. Estúdio a entrar na penumbra e a ser invadido pelos que ainda lá não tinham estado. Serviço feito por essa vez, foi então bom de ver como desde o “patrão” Stichini ao “chefe” Mascarenhas, com toda a “engenharia” em fundo, não houve quem faltasse à festa que geralmente se segue a um parto mesmo dos mais simples – e aquele até nem o fora. Ao Artur Ramos até apeteceu saltar para a bicicleta do Barbosa e a suaMaria Helena terá sido vista, minutos mais tarde, a ping-ponguear com o Hélder Mendes. Se as coisas não se passaram bem assim é porque fomos mal informados. A verdade, porém, é que a satisfação do primeiro dever cumprido pairava demasiado sobre o estúdio, finalmente liberto da compressão de quase 3 horas de emissão. Agora, era o espectáculo longe do olhar do público, com umas poucas dezenas de funcionários, colaboradores e convidados a darem-se os abraços que entenderam deverem ser dados e sempre no meio daquele vozear de satisfação, mas onde não faltaram remoques ou críticas mais merecidas face a um ou outro incidente da emissão. Até às tantas, foi assim, lá para os lados de Palhavã.

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Muita expectativa perante as primeiras imagens

As duas câmaras electrónicas em acção no estúdio da Feira

Controlo de emissão

Maria Armanda Falcão - o primeiro sorriso televisivo

O campeão Alves Barbosa entrevistado por Domingos Lança Moreira

"Música e Artistas"

Os que fizeram a primeira emissão na Feira Popular de Lisboa (vamos chamar-lhes "os pioneiros") e alguns dos que nela colaboraram


1 Ao tempo, locutor da Emissora Nacional, assim como Domingos Lança Moreira, que também interveio na emissão inaugural, na Feira Popular. Entrevistado pelo semanário Rádio e Televisão (15.9.1956) R. Feio considerava que quem aparece frente a uma câmara de TV deve procurar ser “uma presença agradável, simples e modesta.” E Ver maisacrescentava: “Não nos podemos esquecer que vamos entrar em casa do próximo e que o próximo tem, portanto, todo o direito de nos indicar a porta da rua se as nossas maneiras forem francamente indesejáveis.” No mesmo semanário (mesma edição), Lança Moreira opinava: “Na TV creio que a naturalidade deve ser a nota dominante. Estamos, porém, no princípio... Só mais tarde a experiência nos dirá verdadeiramente como é.” Voltar a fechar

2 Nos anos 60/70 distinguiu-se como cronista social no Diário Popular, sob o pseudónimo Vera Lagoa, que viria a adoptar para o resto da vida, terminada em 19.8.1996, sendo directora do jornal O Diabo, que fundara após o 25 de Abril de 1974. Ao semanário TvMais (edição de 15.4.1994) recordava Ver maisassim a sua chegada à RTP: “Na altura, era secretária, mas sempre gostei de experimentar outras carreiras. Soube que a Televisão andava à procura de apresentadoras, e, como era nova e fotogénica, fui ter com o responsável  máximo da RTP e disse-lhe que gostava de ser locutora (...) Quando ele me perguntou que experiência tinha, disse-lhe que tinha a mesma dele, ou seja, nenhuma.” Maria Armanda foi submetida a testes e ultrapassou-os, sendo que a única objecção era que não podia aparecer com o cabelo preto. Que isso não constituía problema logo se viu: bastou uma passagem pelo cabeleireiro e... virou loura. Entrevistada por Conceição Lobo e Mário Rui de Castro para a revista Grande Plano (Ed. COOPTV - Cooperativa de Prestação de Serviços dos Associados da Casa do Pessoal da RTP, CRL, nº 14, Março/Abril de 1988), Vera Lagoa respondeu à pergunta “como correu a primeira emissão?” do seguinte modo: “Acho que correu bem. Isto digo eu hoje. Naquela altura estava verdadeiramente em pânico. Toda aquela gente ali à volta a olhar directamente para nós... Os cenários da Feira Popular parece-me que eram de plástico e por isso estávamos todos completamente expostos. As pessoas só olhavam para nós para depois verem nos televisores qual era o efeito. Mas, na realidade, a Televisão é a grande máquina da popularidade. Todos queriam falar, dizer-nos coisas. Nesses primeiros dias aconteciam cenas engraçadas e muitas vezes eu surgia no ecrã a fazer gestos para pessoas que não se viam. Tínhamos de improvisar muito porque não havia tempo para decorar. Além disso fazíamos tudo. Anunciávamos os programas, tínhamos de fazer entrevistas com convidados e por aí adiante.” Maria Armanda contava 40 anos quando decidiu ser apresentadora de TV. Um mês de experiência que não teve sequência, apesar da boa prestação porque – lembrou-o ela na mesma entrevista – “houve (na RTP) um senhor, que não era o presidente (revelou, mais tarde, tratar-se de Domingos de Mascarenhas) que me disse que eu tinha de dizer, ao despedir-me das pessoas, no fim da emissão, ‘até amanhã, se Deus quiser’. Eu não estava habituada a isso, nem sequer tinha sido educada dessa maneira. O homem disse-me que eu tinha demasiada personalidade e, portanto, não podia ficar com o emprego.” Voltar a fechar
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