- Década de 70
- O difícil caminho para a nacionalização
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A Comissão Administrativa da RTP decidira, entretanto, nomear, interinamente, 4 directores para garantirem o funcionamento da Direcção-Geral de Programas. “Nestes termos, cumprir-nos-á, como responsáveis pela programação da RTP, assegurar as condições necessárias para que este meio de comunicação social se realize, integral e imparcialmente, em completa liberdade de expressão e informação”11 – assinavam por baixo Álvaro Guerra, Artur Ramos, Manuel Ferreira e Manuel Jorge Veloso.
Do que se conhecia do perfil de cada um dos nomeados, não se afigurou difícil um vaticínio sobre a partilha dos poderes, no seio dessa Comissão que iria gerir a Direcção-Geral dos Serviços de Programas. Assim, Álvaro Guerra (escritor, jornalista tarimbado na República) iria ocupar-se da Informação e das Actualidades, uma área muito apetecida por quantos ambicionavam aliar a opinião pública às suas convicções (ou interesses) políticos; Artur Ramos (o primeiro realizador da RTP, conhecedor como poucos da arte e da técnica que exornam esse exercício, um apaixonado pelo teatro, director da companhia residente do Maria Matos) chamaria a si, seguramente, a defesa de um projecto teledramático coerente; Manuel Ferreira (apresentado como capitão mas, sobretudo, professor, romancista, venerador e praticante das literaturas africanas de expressão portuguesa) não deixaria de procurar atender às novas exigências de uma programação cultural; e Manuel Jorge Veloso (conhecedor da empresa e espectador activo dos fenómenos musicais, no País como no estrangeiro) aplicar-se-ia, naturalmente, a fazer cumprir as vertentes mais lúdicas da programação.
E que assim era, que o que se previra não andava longe da realidade, confirmou-se na emissão de 9 de Maio, pois numa rubrica chamada – e bem! – “Diálogo”, os 4 novos directores vieram perante as câmaras dar-se a conhecer e prestar as primeiras contas, que eram, afinal, as que tinham a ver com a consciência das responsabilidades que assumiram perante os espectadores a partir de terem aceite os seus cargos. Crítica de Televisão, Alice Vieira escrevia, no dia seguinte: “Apresentaram-seao público os 4 directores da nova Televisão portuguesa: Artur Ramos, para nos dizer algumas palavras sobre o futuro teatro e o futuro cinema; Manuel Ferreira, para nos recordar que, com a queda do fascismo, se abriam condições para o acesso à Televisão do que de melhor existe na intelectualidade nacional, qualquer que seja a sua opção política ou religiosa; Álvaro Guerra, encarregado do sector da Informação, garantiu-nos um critério de inteira isenção (e nós sabemos o que isto representa de novidade numa Televisão como a portuguesa...); e Manuel Jorge Veloso, por sua vez, disse-nos dos seus projectos para melhorar, para transformar, o sector musical. Como se costuma dizer nestas circunstâncias: que Deus os acompanhe!”12
Pela mesma altura, a Comissão Administrativa faz outras nomeações (designando-as como “interinas”) para preencher alguns dos lugares que fizera vagar. Do exterior vêm o dr. Eduardo Maia Cadete, para Director-Geral dos Serviços Administrativos; e o jornalista Alberto Vilaverde Cabral para Director do Telejornal. Do interior da empresa emergem, para cargos de maior responsabilidade, o engº Victor Pimenta Rodrigues, que assume como Director-Geral dos Serviços Técnicos; Maria Manuela Furtado, que passa a chefiar a Divisão de Relações Exteriores; e João Moreira Rijo, designado para chefiar a Divisão de Pessoal, cargo da maior importância, para mais no momento, mas para o qual não se lhe reconheciam credenciais suficientes, apesar de um desempenho sindical (telecomunicações) com laboriosa eficiência. Na RTP trabalhara, até então, na área das artes gráficas e cenografia.
Alguns dias depois, uma nova Ordem de Serviço13 criava a Divisão de Programas de Informação para substituir na estrutura orgânica da empresa, o Telejornal e o Telejornal do Norte e nomeava, para a chefiar, mais um jornalista vindo de fora – João Gomes (deixou as funções, a seu pedido, em 7.6.1974). A Divisão passava a contar com quatro Serviços, para os quais se designavam, também, os respectivos responsáveis. Assim: programas noticiosos, José Manuel Marques; programas de actualidades, Alberto Vilaverde Cabral (não “aquecera” como Director do Telejornal – cargo, aliás, já extinto); programas desportivos, Serafim Marques; e programas noticiosos do Norte, Carlos de Melo. Continuando a manter a “interinidade de funções” para todos os nomeados, a mesma Ordem de Serviço designava ainda José Brito de Macedo, dr. Pedro Paiva Pessoa e Paulo de Morais para chefiarem o Gabinete de Planeamento e Controle, os Serviços Sociais e o Serviço de Programas Especiais, respectivamente. João Soares Louro era confirmado no cargo de chefe do Secretariado Operacional.
Ainda hoje não está muito bem explicada a razão que levou a Comissão Administrativa (militar) a ocupar-se de mais estas movimentações de pessoal, a 8 dias de ser substituída por um Conselho de Administração (civil), o que não ignorava que iria acontecer, até porque entre os elementos que constituíam quer uma quer outro, decorreram os normais contactos para caracterização de situações e transferência de competências.14 A mudança concretiza-se a 25 de Maio (certo simbolismo no facto da Revolução completar um mês), por despacho do Primeiro-Ministro do 1º Governo Provisório. Na história da RTP, o dr. Manuel Bello torna-se o seu quinto Presidente. Chega acompanhado pelo engº António de Sousa Gomes e os analistas da altura fazem questão de salientar que a qualquer deles não falta formação técnica e capacidade de gestão. Mas Manuel Bello não vai dispor de tempo para o demonstrar, já que, 3 meses depois, vê-se solicitado para o desempenho de funções diplomáticas, que aceita, até porque inseridas na sua linha de carreira. A RTP foi pois uma ocasional missão de serviço, um acidente de percurso de um vocacionado para desempenhos internacionais de alto nível. Já com Sousa Gomes o que se passa é bem diferente. Servirá com 6 presidentes (cessa funções em 27 de Setembro de 1975) e pode dizer-se, sem que se corra risco de exagerar, que a RTP lhe deve quota parte importante da estabilidade (possível) que conseguiu manter no meio da instabilidade (incrível) que ela – e o País – viveram nos anos quentes que se seguiram à Revolução e que foram nada fáceis para o afloramento, quanto mais a aprendizagem, da democracia.
11 Comunicado nº 1, datado de 3.5.1974. A garantia do funcionamento da Direcção-Geral “de harmonia com os princípios fundamentais do Programa do Movimento das Forças Armadas”; e duas certezas: “de que podemos contar, em absoluto, com a mais ampla colaboração de todos os trabalhadores” e “de que encontrarão em nós Ver maisa solidariedade profissional que deve caracterizar as relações do trabalho”, estavam igualmente expressas no documento. Artur Ramos e Manuel Jorge Veloso, que já tinham sido funcionários da RTP, voltaram a sê-lo. Álvaro Guerra e Manuel Ferreira foram então admitidos. Voltar a fechar
Há referência de que foi um grupo “ad-hoc”, constituído por escritores, gente de teatro, do cinema e da TV (a composição seria a mesma, ou semelhante à que ditou as suspensões dos quadros superiores, a 2 de Maio?) que concluiu que a programação da RTP ficaria bem entregue a 4 Ver maispessoas constituídas em Comissão, assim acolhendo a sugestão de Artur Ramos que terá sido, inicialmente, o escolhido. Voltar a fechar
12 Diário Popular, secção “Ontem vimos...”.
13 Nº 8, de 17.5.1974. Outras nomeações, estas “em regime de tarefa como consultores da Comissão Administrativa para missões específicas e afectos à Direcção-Geral dos Serviços Administrativos”: prof. dr. Armando Nogueira, economista; dr. José Carlos Mégre, consultor técnico; dr. Júlio Castro Caldas, advogado; dr. José Maria Roque Lino, advogado; dr. Ver maisFernando Brito, advogado; e dr. Alfredo Caldeira, advogado. E o anúncio de duas suspensões do serviço “até ulterior solução definitiva”, as dos locutores Henrique Pereira Mendes e Manoel Alves Caetano. O realizador Luís Andrade seria abrangido por idêntica decisão dias depois (Ordem de Serviço nº 10, de 22.5.1974). Voltar a fechar
14 Ao deixar a RTP, a Comissão Administrativa divulgou aos trabalhadores a seguinte mensagem: “A Comissão Administrativa termina hoje as suas funções de, junto da RTP, assegurar o regular funcionamento da empresa, esclarecer na medida do possível a situação administrativa até à sua tomada de posse e garantir a obediência Ver maisestrita das suas actividades aos princípios fundamentais do Programa do Movimento das Forças Armadas, sobejamente divulgados e genericamente aceites. Num propósito firme de transformar a RTP num órgão Informativo, Formativo e Isento ao serviço da Nação, foi nosso objectivo: lançar a semente da independência, objectividade e honestidade da informação; lançar a semente da simplicidade e lealdade na relação entre as pessoas que aqui trabalham; lançar, em suma, a semente da Liberdade; defender e zelar pela Honestidade de processos e fins. Temos a esperança de que essas sementes frutificarão, na consciência e nos actos de cada um, pelo que não terão sido inúteis os sacrifícios feitos. Através da RTP os seus trabalhadores servem a Nação. Esta é, quanto a nós, a única concepção aceitável e que em absoluto se opõe à atitude, necessariamente desonesta, de quem pense servir-se da RTP. Constitui esta afirmação de principio a nossa chamada de consciência a que não se recusarão todos os que nesta casa trabalham, não só como verdadeiros profissionais, mas fundamentalmente, como cidadãos. São grandes as tarefas que esperam quem a partir de agora assuma a responsabilidade directiva desta casa. Constitui tarefa de todos cimentar na RTP a Honestidade, a Liberdade e a Isenção. Este é o nosso apelo final, com o agradecimento a todos quantos em qualquer escalão de actividade, se integraram no espírito enunciado, colaboraram na prossecução da finalidade a atingir e facilitaram a nossa acção na perfeita convergência com o espírito do 25 de Abril. Viva Portugal!” (Ordem de Serviço nº 11, de 25.5.1974). Voltar a fechar