- Década de 70
- "Gabriela" e "Cornélia" - prendas aos 20 anos
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E, agora, vejamos o que se passou com “A Visita da Cornélia” que, com 61 horas de tempo de antena, ficou apenas a 6 de ultrapassar “Gabriela”, à qual, aliás, se seguia na programação… mas só à 2ª feira. Tratou-se de um concurso-divertimento, semanal, que, acima de tudo, se constituiu, pela forma e pelos protagonistas, num grande espectáculo de Televisão. Começou por marcar o regresso de Raúl Solnado ao pequeno ecrã e recuperou a colaboração entre o actor de teatro e o homem de Televisão, Fialho Gouveia. Aos dois se devem as ideias sobre as quais o concurso se edificou e que depois se foram desenvolvendo em provas de cultura geral, que não tiveram, por parte dos concorrentes – por muito saber que mostrassem, e muitos houve que mostraram – nem a dinâmica visual nem a espectacularidade das provas chamadas criativas que, essas sim, revelaram talentos insuspeitados, ao tempo em que davam ao concurso uma dimensão de auditório bem demonstrativa de popularidade. O próprio Solnado considerava que as provas criativas proporcionavam espectáculo com a vantagem de, seguidamente, haver 5 pessoas habilitadas que as comentavam, “numa crítica nua, perante o público presente no Villaret. Há ainda as provas que são apenas divertidas ou que, pelo menos, o pretendem ser, para amenizar o programa. Por outro lado, não podíamos perder a noção de espectáculo, que tanto eu como o Fialho Gouveia possuímos. E então decidimos dotar o concurso de música. Aliás, uma das características de ´A Visita da Cornélia` é ter música, muita música: tem um conjunto, tem um cantor convidado em cada sessão, a própria vaca ´Cornélia` poderá trazer um presente, como um cantor, uma entrevista, pelo que tudo funciona como ´show`.”5
“Cornélia” era, pois, nome de vaca – aliás, tão simpática quanto uma vaca pode ser.6 Malhada (mais branca do que preta), dava leite quando era preciso, movia-se com a ligeireza apropriada à sua espécie (os técnicos da cenografia e dos adereços fizeram um trabalho de qualidade) e em vez de mugir – calcule-se! – falava... e com uma voz doce, meiguinha...7 “Cornélia” era um encanto e ficava-lhe bem um grande e garrido laçarote ao pescoço, com que Solnado embirrava, mas que podia ele fazer a uma vaca vaidosa?!...
As 5 pessoas habilitadas, que se referiram atrás, constituíam um júri que tinha por missão pontuar o mérito dos concorrentes. E se quase todas já eram figuras conhecidas do grande público, quando o programa chegou ao fim não havia quem não as conhecesse ainda melhor e dividisse as opiniões (como era inevitável que sucedesse) sobre o modo como aplicavam os respectivos juízos (e pontos), tanto quanto as preferências que foram recaindo sobre uns em detrimento de outros. Esses jurados eram: Raúl Calado (publicitário, na prática e no professorado; geólogo; especialista em jazz), Maria João Seixas (formatura em filosofia, pedagoga atenta aos problemas da criança e da mulher; interesse pelo cinema e até pela política), Sttau Monteiro (advogado não praticante, escritor de romances e peças de teatro, jornalista), Maria Leonor (locutora e produtora de rádio, apresentadora e entrevistadora de Televisão) e Paulo Renato (actor e encenador). A estas 5 personalidades competiu a tarefa alvo das maiores e mais duras críticas: a de pontuar, ao longo de duas dúzias de sessões, as várias provas dos concorrentes. E se houve quem o fizesse com alguma abundância, também não faltou quem se notasse pela parcimónia. Mas há que reconhecer que não foi fácil classificar desempenhos que atingiram, muitos deles e felizmente para a dinâmica do concurso, uma expressão artístico-cultural pouco comum, quantas vezes a roçar o brilhantismo, ainda mais que se sabia que não estavam ali profissionais. Pelo palco do Villaret, perante as câmaras da RTP(comandadas por um criativo a quem o espectáculo sempre apetece: Luís Andrade), passou gente com mais talento do que se esperava e que, quanto melhor se expressou, mais tempo permaneceu, passando de uma semana para a outra em sucessivas conquistas de popularidade. Foi assim que lá estiveram Fernando Assis Pacheco, Gonçalo Lucena, “Pitum” e os três finalistas – Rui Guedes (3º), José Fanha (2º) e Vasco Raimundo (1º). Nomes, alguns conhecidos de outras artes, outros nem tanto, chegados sem credenciais, mas todos desejosos de marcar presença, de mostrar que sabiam fazer o que os melhores faziam e, naturalmente, de amealhar os prémios que mereciam.
Ia a “Cornélia” ainda pelo começo – e aceso o “duelo” Assis Pacheco - Gonçalo Lucena – e já o Expresso lhe chamava “um concurso diferente”, procurando prová-lo em 4 páginas. Numa, escrevia Vasco Pulido Valente: “A ´Cornélia` é, em termos portugueses, um óptimo espectáculo de televisão. Um espectáculo, o de televisão, sem um fio de comum com as consabidas brincadeirinhas do exibicionismo privado. É uma coisa violenta, que pede nervo e frieza, e que move emoções primárias e brutais: a vontade de afirmação e reconhecimento, a provocação à sorte, a cobiça. E nisso precisamente reside a sua atracção e por isso nos asseguramos de ficar em casa segunda-feira à noite.”8

5 Tele Semana, 27.5.1977.
6 Tele Semana, 27.5.1977.
7 A voz era a da actriz Ana Mayer.
8 Crónica intitulada "Cornélia ou a tourada à portuguesa". Na mesma edição, 16.7.1977, Maria João Avillez e Luís Penha e Costa também se ocupam do concurso.