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  • Década de 70
  • 25 de Abril de 1974 - uma emissão para a História
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Se em 1973 a canção que Tordo levou ao Luxemburgo, ao Eurofestival, fora, por cá, na flácida pacatez do burgo, uma grande tourada, a sua sucessora serve-nos, agora, para mostrar como coisa bem mais simples, isenta de polémica, acabou por ser parte de acontecimento de muita importância e que tocou o destino de todos os portugueses. “E Depois do Adeus”, um poema de José Niza a que José Calvário sobrepôs música, foi cantado, em Brighton, por Paulo de Carvalho. Canção sem história na história do “Eurofestival-74”: 3 pontos, 14º lugar. Canção com história na História do País, 18 dias depois, na quarta-feira a que calhou o 24 de Abril. Faltavam apenas 5 minutos para as 23 horas quando João Paulo Diniz, na cabine de locução da Rádio Peninsular, de serviço ao programa “1-8-0”, pôs a rodar no prato do gira-discos “E Depois do Adeus”, que assim se tornou a primeira das “senhas sonoras” determinantes para o arranque do Movimento das Forças Armadas, que levaria à queda do regime vigente em Portugal há 48 anos. Completavam-se os primeiros 24 minutos de 25 de Abril, “o dia D”, e um outro emissor, de maior potência, o da Rádio Renascença, confirmava o primeiro sinal. Já não apenas para as unidades da Região Militar de Lisboa, mas para as de todo o País. Na cabine, conduzindo o programa “Limite”, Leite de Vasconcelos cumpria o que estava combinado – abre via de som e deixa Zeca Afonso a cantar “Grândola, Vila Morena”, disco muito mais “mensageiro”, como convinha. É que, a partir desse momento, a operação “Fim de Regime” estava, irreversivelmente, em marcha.

Às 3 horas, conforme o previsto, contingentes militares afectos ao Movimento ocupam e assumem o controlo de centros vitais na área da comunicação. Antes de qualquer outro, chegam aos estúdios da RTP. “Poucos minutos passavam das 3 horas da madrugada do dia 25 de Abril quando o posto de comando do MFA (instalado no Regimento de Engenharia da Pontinha) recebe a primeira comunicação telefónica: o capitão Teófilo Bento dá conta da ocupação dos estúdios da RTP, no Lumiar, por uma força da Escola Prática de Administração Militar (EPAM). A facilidade com que esta operação decorrera, indicava já que o factor surpresa funcionara em pleno.”1 “Daqui é maior de ´Lima 5`. Acabámos de ocupar ´Mónaco` sem incidentes” – textual da comunicação de Teófilo Bento.

António Reis lembra o que se passou às primeiras horas dessa madrugada: “À meia-noite e meia, após a audição da ‘Grândola, Vila Morena’, desencadeou-se num ápice, e sem resistência interna, a operação do controlo da EPAM. À uma hora tínhamos uma companhia formada. Acordámos os furriéis e os cadetes e explicámos-lhes os objectivos da operação, com pronta adesão. Distribuídas as armas e munições, asseguradas as metralhadoras e as viaturas, ficámos prontos para partir. Até às 3 da madrugada, escutávamos ansiosamente o Rádio Clube, não fosse surgir qualquer sinal de contra-ordem. Às 3 em ponto arrancámos com dois jipes e três ‘Berliet’. Menos de cinco minutos depois chegávamos ao cimo da rampa de acesso aos estúdios, onde deparámos com alguns guardas da PSP, surpresos e aparvalhados. Um deles tentou ainda, decerto num gesto instintivo, puxar da pistola, mas o alferes Geraldes prontamente o dissuadiu dessa loucura. Detidos os guardas, a RTP estava por nossa conta.”2

Era um facto. 130 homens, sob o comando do capitão Teófilo Bento, coadjuvado pelos também oficiais do quadro, tenentes Santos Silva, Sardeira e Matos Borges, e pelo alferes Geraldes; e, ainda, por aspirantes, furriéis e cabos milicianos igualmente agradados com o objectivo do Movimento, todos eles e as praças passaram a movimentar-se pelo complexo dos estúdios, dispondo estrategicamente os equipamentos que consideraram adequados à defesa e à segurança das instalações.

Os polícias detidos (um subchefe e dois agentes, ao que se crê) foram testemunhas silenciosas de todas essas movimentações e um deles, ao ser libertado, horas mais tarde, e mandado de volta para a sua esquadra, no Campo Grande, diria, com algum sentido de humor: “– Bem, nós já não estávamos a assegurar a defesa, pois eles têm isto bem seguro!”3 Entretanto, “na Alameda das Linhas de Torres registou-se alguma emoção quando um carro patrulhada PSP, eram 4 horas e 25 minutos, começou a subir a rampa de acesso aos estúdios, não tendo obedecido à ordem de parar dada pelos ocupantes militares. Estes abriram fogo, para o ar, de metralhadoras. O automóvel fez logo marcha atrás e desapareceu velozmente...” Não acorria a coisa alguma, essa viatura, nem certamente a movia a curiosidade de ver o que se estava a passar já que, para os seus ocupantes, se passava nada. O que era habitual é que, todas as madrugadas, mais ou menos por aquela hora, um carro da polícia visitava a RTP, em rotineiro serviço de patrulha.

Mas, para o tiroteio, versão bem diferente era a que dava o vespertino A Capital: – “Não se assustem! As rajadas de metralhadora foram apenas um aviso. Por favor saiam das janelas, mas mantenham-se nas respectivas residências – estas foram algumas das palavras com que o capitão Teófilo Bento (...), depois de três disparos de metralhadora que se seguiram a gritos de ‘alto’, sossegou a vizinhança que, assustada, encheu as varandas e as janelas que dão para as traseiras dos estúdios da RTP. Dois indivíduos (...), pensando talvez que poderiam observar melhor o que se passava dentro da cerca, foram o motivo de um incidente que não assustou só a vizinhança. Os militares que se encontravam na porta que dá acesso ao túnel das instalações da RTP e na barreira que impede o acesso, deitaram-se imediatamente no chão, apontando as metralhadoras para o exterior. Entretanto, militares da EPAM, depois de deterem os dois indivíduos, para identificação e verificar se estavam armados, rondaram pelas imediações da parte traseira das instalações, até que o capitão Bento lhes deu ordem de recolher. Os dois indivíduos seguiram também o seu caminho e o pátio, que se pode ver do refeitório, ficou novamente deserto.”4

Ainda outra versão, mais calma, menos alarmista, para o mesmo acontecimento, fornecia o Diário de Notícias: “Alguns tiros foram disparados nas instalações da Radiotelevisão Portuguesa, ao Lumiar, cerca das 4 horas. Na zona ouviram-se quatro ou cinco rajadas de armas automáticas, cuja origem não foi possível averiguar. Logo a seguir e através de um megafone, ouviu-se uma voz que aconselhava calma aos soldados e que afirmava que não havia perigo, chamando ao mesmo tempo a atenção para os comunicados que estavam a ser difundidos pelo Rádio Clube Português. A maior parte da população da área, no entanto, nem se apercebeu, na altura, dos tiros nem das referidas vozes de comando, só tomando conhecimento do que se estava a passar ao ouvir os comunicados da manhã.”5

Com efeito, relativamente poucos terão sido os portugueses a ouvir os primeiros comunicados difundidos pelo Rádio Clube, a horas cedo da madrugada. Separados, primeiro, por marchas militares, depois pelas mais apelativas canções de intérpretes pouco gratos ao regime em queda – o que foi sendo interpretado como consolidação dos objectivos revolucionários –, esses comunicados foram-se tornando mais explícitos à medida que o dia nascia e os ouvintes eram mais numerosos. E, cada vez mais, também, pelo “passa-palavra” que funcionava em pleno, preferencialmente por via telefónica, e com tal densidade, que algumas centrais ameaçaram entrar no vermelho.

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Movimento de militares na Alameda das Linhas de Torres, junto do acesso aos estúdios da RTP

Barragem ao início da rampa de acesso aos estúdios

Força militar da EPAM entrando no pátio dos estúdios

Uma central de comunicações montada à entrada do estúdio A

Fialho Gouveia em diálogo com o capitão Teófilo Bento, comandante da força de ocupação


“A Revolução do 25 de Abril de 1974, o MFA e o Processo de Democratização”, por António Reis, 3º volume de Portugal Contemporâneo, direcção de António Reis - Publicações Alfa, edição Selecções do Reader´s Digest, SA – Lisboa, 1996.

António Reis, que fez parte do grupo de militares que ocupou  a RTP, confirma que este era o primeiro dos 5 objectivos definidos para a cidade de Lisboa. O seguinte foi o Rádio Clube Português, de particular interesse para a instalação, que aí se fez, do órgão oficial de informação Ver maisque viria a ser designado por Emissora da Liberdade e aos microfones da qual estiveram, nas primeiras horas, Joaquim Furtado e Luís Filipe Costa. As ocupações seguintes foram a Emissora Nacional (Quelhas), que viria a fechar a emissão pelas 8.45 h., após a leitura de um comunicado do MFA, só reabrindo às 21 h.; o Quartel-General da Região Militar de Lisboa; e o Aeroporto de Lisboa, já passavam 20 minutos das 4 h., e que acaba por dar a luz verde necessária para a leitura do primeiro comunicado do Movimento, por Joaquim Furtado. Voltar a fechar

2 Entrevista ao jornal Acção Socialista, 24.2.1980.

António Reis, então aspirante da EPAM, mais tarde funcionário superior da RTP, figura proeminente do PS, fornece, nessa entrevista alguns outros pormenores, curiosos, dos antecedentes da operação: “A única e não pequena dificuldade que se nos deparava consistia no facto de nenhum de nós – oficiais do quadro permanente ou Ver maiscomplementar da EPAM – conhecer por dentro aquele “bicho” complicado que é a RTP. Nunca lá estivéramos e difícil seria arranjar um pretexto para  lá penetrarmos uns dias antes, a fim de estudarmos a topografia e a planta das instalações. Também não conhecíamos nenhum dos seus funcionários. Valeu-nos, na ocasião o jornalista Adelino Gomes, hoje jornalista da RDP, que ao tempo trabalhava comigo na redacção da Seara Nova. Com efeito, saíra da RTP há cerca de um ano, onde estivera como colaborador o tempo suficiente para conhecer os principais cantos à casa. E foi na própria redacção da Seara Nova, na Rua Luciano Cordeiro, que o capitão Bento, comandante desta operação, o então alferes Geraldes – da coordenadora do Movimento – e eu, nos reunimos com ele para tomarmos conhecimento do ‘croquis’ das instalações do Lumiar, ali mesmo desenhado.” Voltar a fechar

3 Citado no livro Capitães de Abril (volume 1), de Alexandre Pais e Ribeiro da Silva - Amigos do Livro Editores, Ldª, Lisboa, Setembro de 1974. A citação imediata pertence à mesma obra.

4 Edição de 26.4.1974.

5 Edição de 25.4.1974 - 2ª tiragem.

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