- Década de 50
- As emissões regulares
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O ritmo de trabalho estaria encontrado alguns meses mais tarde. Mas a qualidade desse mesmo trabalho oferecia sempre insatisfação, de que, não poucas vezes, comungava o público-espectador. Dizia-se que tínhamos a melhor imagem e o melhor som, que a técnica da nossa TV se bitolava pelo que de melhor havia lá fora. Mas, os programas...
Os programas. Bem, era mesmo sobre eles que as opiniões muito se dividiam. Exigia-se e condescendia-se. O primeiro teleteatro apresentado pela RTP, “Monólogo do Vaqueiro” (realizador, Álvaro Benamor – 11.3.1957), desencadeou as primeiras “chispas”. Do público e da crítica, embora esta, na generalidade, se tenha mostrado agradada com o programa. “Auspiciosa estreia a do teleteatro, com ‘Monólogo do Vaqueiro’, onde se viram enquadramentos e tomadas de imagem, encenação e desempenho, tudo a merecer carinhoso bravo de louvor e de incitamento.”9
Manuel Tânger, então responsável pelos programas de teatro da RTP, recordaria, anos mais tarde: “A primeira noite de teatro na TV foi simbólica. Representou-se o ‘Monólogo do Vaqueiro’ com que mestre Gil Vicente iniciou o Teatro Português. Cuidou-se especialmente da encenação e apresentou-se um espectáculo de grandioso efeito, para enquadramento da peça adaptada por Afonso Lopes Vieira.” A opinião do realizador, Álvaro Benamor: “Simbolicamente, visto que era o primeiro passo da nossa Televisão em teatro, a escolha fora acertadíssima, mas praticamente fiquei talvez como o Criador defronte do Caos, do Nada. O ‘Monólogo’ teria aquelas condições dramáticas – isto é, de acção, que um espectáculo inaugural requereria? Afinal tudo se resolveu pelo melhor: com uma pequena ‘mise-en-scène’, à margem, o talento do intérprete, dos artistas, com a minha vontade, bem como a dos meus assistentes – e sobretudo apesar da grande escassez de aparelhagem técnica – conseguimos levar a empresa a bom termo, depois de um belo trabalho de equipa que muito nos emocionou.” E, finalmente, é o intérprete, Rui de Carvalho, que lembra: “Foi apaixonante desempenhar perante as câmaras de TV o personagem vicentino de ‘O Vaqueiro’, do ‘Auto da Visitação’. A escolha dessa peça para início da programação teatral da RTP foi realmente feliz e congratulei-me deveras com o convite que me foi feito para interpretar o único personagem falante do Monólogo.”10
As peças dramáticas apresentadas pela RTP nas semanas seguintes, encarregar-se-íam de apontar o teleteatro como pedra de toque da programação televisiva. Para que o rol não seja exaustivo indicaremos, apenas, as peças com que se estrearam os restantes realizadores da RTP: Artur Ramos com “O Pedido de Casamento”, de Anton Tchekov (25.3); Ruy Ferrão com “Mar”, de Miguel Torga (1.4), embora já antes (17.3) tivesse realizado uma peça de teatro infantil, “História da Carochinha”, de Noel de Arriaga; Nuno Fradique com “Caminho de Sombra”, de sua autoria e com a particularidade de ser, também ele, um dos intérpretes (22.4); Herlânder Peyroteo com “A Morgadinha de Vale d´Amores”, de Camilo Castelo Branco (25.6).
9 Os A. Vieira Marques, Jornal de Notícias, 22.3.1957.
10 Os três depoimentos foram publicados em TV - Semanário da Radiotelevisão Portuguesa, nº 1, 2.5.1963. Para a história, que se fique a saber que os intérpretes foram: Rui de Carvalho (Vaqueiro); Tomás de Macedo (Rei); Maria Albergaria (Rainha Mãe); Alina Vaz, Raquel Valdez, Andrade e Silva, António Sacramento de Ver maisAlmeida e Alexandre Vieira, além de 40 figurantes. A cenografia foi do arqº Marcello de Moraes; o guarda-roupa de Anahory; e as cabeleiras de Madureira. Só em “cachets”, a RTP pagou 25 900$00; o resto, que foi até aos 50 contos, gastou-se, principalmente, em guarda roupa e adereços, o que, mesmo para a época, se podia considerar um orçamento aceitável. Mas nem para toda a gente, como se pode avaliar por esta bem humorada recordação de Maria Germana Tânger, declamadora e colaboradora assídua da RTP nesses anos do pioneirismo: “A verba era até aos 50 contos, lembro-me disso perfeitamente. Pois houve uma senhora, que era mulher de um dos grandes da empresa, que se saiu com esta: ‘Que disparate, gastar 50 contos num monólogo em que só fala uma pessoa’!” (RTP – Quatro Décadas, série filmada, produção da “D&D”, 1998). Voltar a fechar